Powergamming - Apelão

Powergaming (ou simplesmente apelação, como estamos acostumados) é normalmente aceito como uma forma de jogar com um ênfase em desenvolver um personagem “poderoso” dentro do que ele se propõe. O termo tem uma conotação sempre negativa, associada ao cara que só se preocupa com os bônus de ataque, dano, e etcs. Para usar do powergaming o sujeito geralmente tem que ter um bom conhecimento do sistema em questão, procurando conseguir resultados máximos com penalidades e custos mínimos.

Mas apesar de ser considerado um grande vilão, a verdade é que o powergaming não precisa ser algo “maligno”. A prática pode muito bem ser usada como uma boa ferramenta, para ao invés de criar apenas um personagem superpoderoso, criar um personagem coerente.

Quando você cria o seu personagem, você define algumas coisas nas quais ele será bom, e coisas que ele será ótimo (e, convenhamos, algumas coisas que ele será ruim). Se você faz um guerreiro, você sabe que ele será razoavelmente bom em combate e que ele vai ser um pouco deficiente em outras áreas (perícias, por exemplo). Você escolhe anão como raça, machado de combate anão como arma e pega um talento que aumente o seu bônus de ataque e outro que aumente o seu bônus de dano. Isso é powergaming, você está concentrando seus recursos em uma coisa que você acredita que é necessária para esse personagem (nesse caso acertar ataques e causar dano).

Agora e se o anão tivesse pego outros dois talentos? De repente teríamos um guerreiro anão durão, veterano de vários combates em defesa de sua fortaleza, mas que bate igual ao mago do grupo. Isso destoa no jogo, um anão guerreiro que treinou durante 20 anos DEVERIA bater bem. Destoa do mesmo jeito que destoaria se você interpretasse esse anão com voz fina. É algo que foge ao que o personagem deveria ser (a não ser que você queira interpretar um anão incompetente e de voz fininha, mas isso a gente deixa pra outro post XD). As pessoas geralmente se dedicam bastante ao que fazem, e nesse campo elas deveriam realmente se destacar. Ainda mais num jogo como D&D, que a sua sobrevivência depende exclusivamente das suas capacidades.

Isso vale para todos os personagens. Se você faz um mago especializado em feitiços e manipular as mentes dos outros, você espera fazer isso de uma maneira eficiente. Se todas as vezes que você solta um enfeitiçar pessoas os alvos sempre passam nos testes, tem alguma coisa errada e você com certeza vai se frustrar. Se você faz um guerreiro e sempre erra os ataques, você vai se frustrar. Tem um PJ warlock jogando comigo que fica fulo da vida quando não consegue acertar um ataque nem pra salvar a sua vida.

Em resumo, se o seu personagem devia ser bom naquele negócio, o powergaming pode ajudá-lo a, de fato, ser bom naquilo, e assim proporcionar um jogo muito melhor para você.

Principalmente em D&D, os combates são rápidos e mortais. O seu personagem pode ter um prelúdio de 300 páginas; se o orc do machado ali tira um crítico, você vai pro saco do mesmo jeito que Bob, o bárbaro meio-orc ali do teu lado. É uma pena quando todo o seu background bem descrito, seus maneirismos de personalidade, seus sentimentos e emoções, morrem junto com o seu personagem. Nesse tipo de situação, o powergaming também ajuda (e muitas vezes é necessário). Você tem uma história digna de Senhor dos Anéis detalhando o seu mago elfo. Mas, por virtude do destino, ele tem 15 PVs no 5º nível. Você não quer perder tudo isso facilmente, então você cata uma magia dali, um item mágico daqui, e termina com uma CA 30. O pessoal do teu grupo te chama de apelão, mas você sabe que se não fosse por isso você ia morrer a cada 2 encontros. E aí todo o seu background iria pro lixo e a campanha iria virar uma suruba de ressurreições e personagens substitutos.

Chega aquela jogadora que é uma gatinha pra jogar D&D com vocês pela primeira vez. Ela vai lá e decide que quer fazer uma elfa maga. Ela conhece o jogo mas não é lá muito experiente - e na primeira sessão descobre que as magias que ela tem não funcionam contra os inimigos que vocês enfrentam. Na outra ela descobre que um disparo perdido de arco de um goblin a 9 metros de distância pode levá-la direto para a inconsciência. Chega a um ponto em que qualquer situação é uma frustração pra ela, e o tal do “jogo D&D” fica um saco.

Agora se você saca um pouco do sistema, você pode ajudá-la (e talvez até ganhar uns pontos com ela ). Com uma combinação do talento de tal livro, uma classe de prestígio de outro, e um nível de substituição ali, ela vai ter realmente a personagem que ela queria jogar e não ficar se sentindo uma idiota quando a sua personagem é derrotada por goblins.

No meu caso, a minha namorada não é muito ligada em regras e apelações. Quando ela pensa na personagem que ela quer fazer, eu dou umas sugestões de como fazer a ficha dela encaixar no conceito que ela tem na cabeça, e isso faz uma grande diferença. Mesmo o roleplayer mais santo pega raiva se nunca consegue fazer aquilo que o personagem dele devia ser perito.

Se você conhece o sistema e tem lá as suas apelações de lado, partilhe-as com os menos favorecidos, com aqueles que não tiveram tempo ou saco de ler a tonelada de livros que você leu. Eles vão te agradecer um dia.

Créditos: http://www.rpgonline.com.br/dicas_de_rpg.asp?id=1414

Até agora nós descrevemos vários usos legítimos do powergaming, seja pra adequar a ficha do personagem ao conceito que você tem em mente, seja para mantê-lo vivo para que você possa continuar jogando, e até para ajudar seus amigos de grupo.

Mas é claro que o powergaming tem seus usos menos legítimos. Sempre tem o jogador que vai querer apelar de uma maneira sem sentido para ser o “melhor” na mesa. Você reconhece fácil esses caras; eles falam coisa tipo “o meu personagem daria uma surra no teu” com uma cara séria. Ele vai querer ter mais poderes, mais capacidades, vai querer suplantar os outros membros do grupo. Aquele mago que, com duas magias, vai lá bater melhor que o guerreiro, se cura, conjura magias, assobia e bebe cana ao mesmo tempo. Ele está sempre procurando maneiras de ofuscar os outros membros do grupo, de preferência fazendo o que eles fazem de maneira ainda melhor que eles, apenas para provar que pode.

Esse sujeito também frequentemente vai querer usar essas habilidades para tomar proveito do próprio mestre. Ele vai combinar magias/talentos/classes de prestígio obscuras para alcançar um efeito que não era esperado nas regras, e vai usar isso de maneira a diminuir o mestre, buscando minar a sua autoridade. Você consegue reconhecer essa atitude quando o personagem busca “botar moral” em qualquer NPC à sua frente. Essa atituda piora até chegar a um ponto em que começam a ocorrer conflitos que podem acabar com o personagem overpower usando seus poderes contra o resto do grupo e satisfazendo os seus desejos de PK (player-killer).

Pra lidar com os powergamers “do mal” você tem várias alternativas. Você pode falar com o jogador e dizer pra ele sossegar o facho (que é a melhor alternativa, mas pouca gente tem vontade de dar uma de paizão e reclamar com seus jogadores), você pode arrumar uma maneira dentro do jogo (Disjunção de Mordenkainen ou o famoso ladrão de itens mágicos) ou fora (colocar uma house rule para limitar a ação dele), ou você pode retribuir na mesma moeda (nos meus jogos, se um jogador apela ‘X’ contra mim eu apelo “x²” contra ele de volta). Se o problema tá sério mesmo eu sugiro dar uma nova chance para o jogador, na forma de outro personagem xD

Uma pequena tragédia envolvendo o personagem apelão antigo (e talvez um vento oportuno para espalhar as cinzas do personagem de D&D), e você tem uma chance de conversar com o jogador para juntos corrigirem os problemas do passado. Explique que o objetivo da sua mesa é um jogo mais relaxado, guie ele para fazer um personagem menos horrendamente apelativo, e talvez até recompense-o caso siga as suas orientações (quando ele encontrar aquele item mágico ideal pro personagem dele no 1º monstro que enfrentar ele vai saber que está sendo recompensado).

Vimos que o powergaming em si é uma ferramenta para aprimorar o seu personagem, e o uso que você dá pra ele é que vai definir se você é o amigão da galera (que ajudou todo mundo a fazer uns personagens duca) ou só aquele panaca que fica enchendo o saco. Usado para o bem, o powergaming pode enriquecer muito uma mesa de jogo, e usado mal, pode quebrá-la.

Eu queria ressaltar que, embora eu tenha usado como exemplo o D&D, o mesmo se aplica em quase qualquer sistema. Se eu estou jogando Castelo Falkenstein e o meu personagem é um aristocrata mimado mas mortal com uma espada, eu quero ser capaz de literalmente brincar com oponentes em um duelo pela honra de uma donzela. Seria legal se o meu vampirão sedutor tivesse uns poderes para manipular as pessoas, e para usá-los de uma maneira eficiente, ele provavelmente teria atributos sociais elevadíssimos.

Resolvi postar isso para todos saberem os lados do PowerGamming.

Ser apelão é bom...Ou não.